Affonso Romano de Sant'Anna

26 janeiro, 2009
A Mulher Madura

O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

Imagem: Andy Warhol - Ingrid
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Brincando com Vinicius

21 janeiro, 2009
– Você quer ser minha namorada?
– Eu não sei o que se passa em mim…
– Ah, que linda namorada você poderia ser!
– É assim como uma dor, mas que dói sem ser ruim…
– Deve ser amor.
– Tu me chegaste sem me dizer que vinhas.
– Não há amor sozinho.
– São demais os perigos dessa vida…
– É preciso paixão.
– A hora do sim é um descuido do não.
– É juntinho que ele fica bom.
– Sei lá, sei lá…
– Minha amiga e companheira.
– Se todos fossem iguais a você…
– Que maravilha viver!
– Me envolveu, me brincou.
– Passar uma tarde em Itapuã…
– Tudo isso não adianta nada.
– Fecha os olhos devagar.
– Ai, vontade de ficar, mas tendo de ir embora.
– Sem mais lararará.
– Preciso acabar com essa tristeza.
– E inventar de novo o amor.
– Vivi para encontrar na luz do seu olhar a paz que sonhei.
– Se eu tiver que ser feliz, você vai ter que ser feliz também!
– A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar.
– Para viver um grande amor!
– De repente, não mais que de repente…
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Salve, São Sebastião!

20 janeiro, 2009

Praça Luis de Camões, Glória

SOU CARIOCA DA GEMA, E MEU RIO CONTINUA LINDO

Esse balanço, esse chiado no sotaque, essa alegria de viver que nenhuma mazela do cotidiano destrói, essas montanhas, esse céu, esse mar, essa beleza indescritível...


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Julieta Venegas & Lenine

17 janeiro, 2009
Miedo
Pedro Guerra - Lenine - Robney Assis



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Chuva de outono

06 janeiro, 2009
Quero te encontrar num dia de chuva
de chuva fina e prolongada
de temperatura amena
numa tarde de final de outono
em que a cidade esteja meio oculta
pela bruma
prenúncio do inverno.

Quero te encontrar num dia cinzento
e silencioso
sem nada que desvie minha atenção de ti
nenhuma beleza efêmera
nenhuma luminosidade excessiva
nenhum artifício
nenhuma ilusão.

Quero te encontrar quando estiver despojada
de toda e qualquer defesa
de toda e qualquer razão
para te contar a minha história
sem mentiras ou fantasias
expondo sem pudor as cicatrizes.

Quero te encontrar quando for capaz
de deixar fluir os sentimentos mais verdadeiros
de cruzar as fronteiras da alma
e de ter vencido
o medo de ser.

- betty -
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