Fernando Pessoa

30 novembro, 2007
Fernando Pessoa partiu em 30 de novembro de 1935. Para onde foi, não sei, sou um um mar de questionamentos. Quem sabe, deve estar lá entre as estrelas... Dele ficou a obra, sua percepção das coisas, seu pensamento inquieto, louco e lúcido a um só tempo.

Escolhi um poema de seu heterônimo Álvaro de Campos para homenageá-lo nessa data. Entre tantos, é dos meus preferidos, principalmente por traduzir o poeta dramático que ele foi.

Seja o que for

Seja o que for que esteja no centro do Mundo,
Deu-me o mundo exterior por exemplo de Realidade,
E quando digo "isto é real", mesmo de um sentimento,
Vejo-o sem querer em um espaço qualquer exterior,
Vejo-o com uma visão qualquer fora e alheio a mim.

Ser real quer dizer não estar dentro de mim.
Da minha pessoa de dentro não tenho noção de realidade.
Sei que o mundo existe, mas não sei se existo.
Estou mais certo da existência da minha casa branca
Do que da existência interior do dono da casa branca.
Creio mais no meu corpo do que na minha alma,
Porque o meu corpo apresenta-se no meio da realidade.
Podendo ser visto por outros,
Podendo tocar em outros,
Podendo sentar-se e estar de pé,
Mas a minha alma só pode ser definida por termos de fora.
Existe para mim — nos momentos em que julgo que efetivamente
existe —
Por um empréstimo da realidade exterior do Mundo

Se a alma é mais real
Que o mundo exterior como tu, filósofos, dizes,
Para que é que o mundo exterior me foi dado como tipo da realidade?

Se é mais certo eu sentir
Do que existir a cousa que sinto —
Para que sinto
E para que surge essa cousa independentemente de mim
Sem precisar de mim para existir,
E eu sempre ligado a mim-próprio, sempre pessoal e intransmissível?
Para que me movo com os outros
Em um mundo em que nos entendemos e onde coincidimos
Se por acaso esse mundo é o erro e eu é que estou certo?
Se o Mundo é um erro, é um erro de toda a gente.
E cada um de nós é o erro de cada um de nós apenas.
Cousa por cousa, o Mundo é mais certo.

Mas por que me interrogo, senão porque estou doente?
Nos dias certos; nos dias exteriores da minha vida,
Nos meus dias de perfeita lucidez natural,
Sinto sem sentir que sinto,
Vejo sem saber que vejo,
E nunca o Universo é tão real como então,
Nunca o Universo está (não é perto ou longe de mim.
Mas) tão sublimemente não-meu.

Quando digo "é evidente", quero acaso dizer "só eu é que o vejo"?
Quando digo "é verdade", quero acaso dizer "é minha opinião"?
Quando digo "ali está", quero acaso dizer "não está ali"?
E se isto é assim na vida, por que será diferente na filosofia?
Vivemos antes de filosofar, existimos antes de o sabermos,
E o primeiro fato merece ao menos a precedência e o culto.

Sim, antes de sermos interior somos exterior.
Por isso somos exterior essencialmente.

Dizes, filósofo doente, filósofo enfim, que isto é materialismo.
Mas isto como pode ser materialismo, se materialismo é uma filosofia,
Se uma filosofia seria, pelo menos sendo minha, uma filosofia minha,
E isto nem sequer é meu, nem sequer sou eu?
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Sinais de velhice

29 novembro, 2007
Você descobre que está envelhecendo quando...

Fazer sexo em cama de solteiro passa a ser um absurdo.

Dentro do carro, nem pensar!

Há mais comida do que cerveja e vinho na sua geladeira.

Seis da manhã é quando você acorda e não quando vai dormir.

Escuta sua música favorita dentro de um elevador.

Carrega um guarda-chuva e dá a maior importância à previsão do tempo.

Seus amigos se casam e se divorciam ao invés de ficarem e terminarem.

Suas férias caem de 130 para 15 dias por ano.

Calça jeans e camiseta não são mais consideradas roupas de sair.

Você é quem chama a polícia quando a molecada do vizinho não abaixa o som.

Não sabe mais a que horas as lanchonetes de fast-food fecham.

Dormir no sofá lhe dá dor nas costas.

Não tira mais aquele cochilo do meio-dia até às 18 horas durante a semana.

Vai à farmácia para comprar remédios para dor de cabeça, relaxantes musculares ou antiácidos, ao invés de Engov, camisinha ou teste de gravidez.

Você come a comida do café da manhã na hora do café da manhã.

Passa 90% do seu tempo em frente ao computador, trabalhando de verdade.

Não precisa mais, antes de sair, beber sozinho em casa para economizar dinheiro na night.

Lê essa mensagem e fica procurando algum item que não se aplique a você.

Já tem, pelo menos, uns 20 amigos para repassar esse texto.

Então, você se lembra de como é bom ter amigos, coisa que o tempo não é capaz de envelhecer...
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Ah, implacável tempo!

22 novembro, 2007
Os dias passam depressa. Tenho sempre tantas coisas a fazer, coisas importantes, outras nem tanto, que me ocupam de tal modo a não sobrar senão poucas horas para organizar meus pensamentos. Muitas vezes, em meio a uma tarefa cotidiana, me vem alguma percepção e, naquele exato momento, não posso interromper o que estou fazendo para refletir a respeito. O pior é que ao tentar retomar o pensamento mais tarde dificilmente ele volta como antes. Isso me deixa frustada, e com uma certa irritação por sentir que talvez esteja perdendo coisas importantes na minha vida.

O tempo não perdoa, é impiedoso com o minuto que passa, não permite retorno, e na estrada da vida só se pode seguir em frente; há desvios, é verdade, que até parecem nos levar de volta a um ponto anterior, mas é apenas um engano. Se tentamos refazer o mesmo caminho é decepção na certa. A paisagem estará transformada, os sons serão diferentes, os cheiros serão outros, muitas pessoas que o percorreram conosco não mais estarão lá, as que ainda estiverem podem não ser reconhecidas e, principalmente, nós não seremos os mesmos.

Ah, implacável e cruel tempo, que a tudo destrói inexoravelmente... Se sobrevivemos o suficiente para muito envelhecermos, até nossas doces lembranças ele nos toma, apagando-as para sempre de nossa memória...
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Justiça para Flavia de Souza

19 novembro, 2007
Em janeiro de 1998, Flavia teve seus cabelos sugados pelo ralo da piscina do condomínio onde vivia com a mãe, Odele, e o irmão mais velho, Fernando. A menina, então com 10 anos, ficou submersa por vários minutos, teve parada cardio-respiratória, jamais se recuperou, e vive em coma vigil até hoje, estado considerado irreversível pelos médicos que a tratam.

Odele processou o CONDOMÍNIO JARDIM DA JURITI, a AGF BRASIL SEGUROS e a JACUZI DO BRASIL, cada um em seu respectivo grau de responsabilidade na tragédia. São nove anos esperando que seja feita justiça, esperando, esperando...

Em janeiro deste ano, Odele criou um blog para protestar contra a lentidão da justiça e também para alertar sobre o perigo de tais ralos. Ela faz questão de relatar casos como o de sua filha ocorridos no Brasil e em outros países.

Visitei o blog "Flavia, Vivendo em Coma...", e fiquei ali por um par de horas. Li todos os posts, começando pelo primeiro, escrito em 01.01.2007, onde Odele termina com a seguinte frase: "Flavia segue em coma. E a justiça brasileira também". À medida que lia os relatos dessa mãe, me colocava em seu lugar e sofria com ela a sua dor.

Trazer Flavia de volta, fazê-la acordar desse sono misterioso que é o coma, isso não está em nossas mãos, mas há muitas coisas a serem feitas para aliviar o sofrimento dela e de seus entes queridos. É com esse espírito que estou me unindo a tantos outros amigos, virtuais ou não, para que juntos façamos tudo que for possível para ajudar essa família atingida brutalmente pela tragédia.

Que nossas vozes, unidas a de Odele, soem bem alto, tão alto que seja ouvida pela justiça de nosso país, justiça que se faz de surda quando a reinvidicação vem do povo, enquanto é célere e tendenciosa se acionada pelos poderosos.

Convido a todos que por aqui passarem a visitar o blog da Flavia, escrito por uma mãe guerreira, digna e merecedora do nosso apoio.

Flavia, Vivendo em Coma...
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Dia de chuva

16 novembro, 2007
Como é bom um dia de chuva em pleno feriado no Rio de Janeiro. Num dia assim o silêncio é um luxo a ser desfrutado. O carioca, em sua maioria, adora calor, barulho e muita bagunça. A cidade se agita na proporção que o calor aumenta, porém quando chove e esfria um pouco o povo se recolhe.

Nasci no Rio, e aqui tenho vivido. A cidade é linda, geograficamente falando, principalmente se vista do alto, mas de perto é feia, suja e cheira mal. Pessoas mal-educadas infestam todos os cantos, perturbando o sossego de alguns poucos que insistem em ser civilizados. Crianças histéricas, querendo chamar a atenção aos gritos, filhos de pais ausentes, criados por empregadas, entregues à própria sorte. É impressionante como fazem filho sem qualquer estrutura familiar que permita criá-los de maneira sensata. E os outros que aturem...

Fiz de tudo para sair daqui e ir viver em uma cidade serrana, mas nada deu certo, parece um carma que tenho que cumprir. Eu quero muito viver o que me resta cercada de verde, um riachinho próximo, clima ameno, longe, bem longe dessa neurose urbana. Ainda não desisti desse sonho.

O texto que segue expressa perfeitamente o que eu sinto. Se talento eu tivesse poderia tê-lo escrito, sem mudar uma vírgula sequer. Foi publicado no jornal O Globo faz algum tempo.

Hostil à inteligência
Berilo Vargas


O Rio é uma cidade surda. É também uma cidade rouca. E uma cidade do barulho, no sentido próprio e no figurado.

Não poderia ser de outra forma. Em ruas, casas, apartamentos, restaurantes, botequins, qualquer um é livre para produzir todos os ruídos que quiser. Pode abrir a janela e gritar até perder a voz; debruçar-se sobre a buzina do carro até esgotar a bateria; reunir os amigos para um churrasco no terraço – ou na varanda – e ouvir pagode e ópera, alta madrugada, até ensurdecer o quarteirão; martelar, serrar, soltar fogos, estalar o chicote a qualquer hora do dia ou da noite; cantar na rua ressaltando a desafinação com um alto-falante. Tudo lhe será permitido, como parte da bagagem constitucional de direitos individuais inalienáveis.

Assim, aos gritos e golpes de marreta – e com a ajuda desinteressada de representantes locais livremente eleitos pelo voto – a grande metrópole carioca tornou-se o paraíso da mais absoluta liberdade sonora. Só é um inferno para aqueles que violam essa convenção informal de permissividade coletiva e fazem questão de dormir, ler, estudar, conversar, ver um filme em casa humanamente. Esses eternos deslocados constituem uma minoria verdadeiramente silenciosa – tão silenciosa que jamais será ouvida ou levada em conta.

Na prática, não existem mecanismos sociais de controle de som, ou instrumentos legais para obrigar alguém a baixar o volume. Nesse particular pelo menos, os códigos de conduta, as normas de etiqueta pertencem à nossa pré-história. Pior do que isso: foram invertidos. Pedir a alguém que faça menos barulho, por favor, passou a ser insulto de extrema gravidade. Justifica qualquer reação violenta. E quem se atreve a cometer essa afronta aos costumes liberais modernos fica malvisto e expõe-se a abusos.

A vítima de um ataque sonoro logo se dará conta de que está desprotegida. Não pode contar com a ajuda do poder público. Se ligar para o 190, ouvirá algo assim: “Dê seu nome e endereço, para mandarmos uma viatura. Os policiais acompanharão o senhor para tentar resolver isso da melhor maneira”, dirá a telefonista. Mesmo acompanhado por uma guarnição da Polícia Militar, bem armada e apta a lidar com indivíduos irascíveis em situações extremas, pode não ser boa idéia. Lembre-se, quem está procurando encrenca é você e não o vizinho barulhento. Ele quer apenas se divertir. Além disso, um diálogo com uma fonte de barulho tende a ser um monólogo, onde ela esbraveja e você fica surdo e é melhor que também fique mudo.

Se tentar uma abordagem mais leve, e pedir ajuda à Polícia Civil, será orientado a procurar o Disque-Barulho, da Secretaria municipal do Meio Ambiente. Ali será gentilmente informado de que o Disque-Barulho só atende a denúncias relativas a pontos fixos. Se o seu vizinho for móvel, além de barulhento, não se qualifica.

Dizia Schopenhauer – com aquela argúcia e sabedoria dos filósofos que dispensam a banalidade da comprovação científica – que a tolerância ao barulho está na razão inversa do tamanho da inteligência. Quanto mais tapado, mais indiferente ao ruído. Para o indivíduo inteligente, o estalar de um chicote distante é sempre uma chicotada na própria carne. Porque a violência sonora interrompe rudemente aquele constante monólogo interior que Shakespeare chamava memoravelmente de sweet silent thought, o suave e silencioso ato de pensar.

Se o teorema do grande pessimista alemão vale não só para indivíduos, mas também para comunidades e povos, pobres de nós. Está tudo explicado.
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Cecília Meireles

12 novembro, 2007

Com tantos contratempos na semana passada, acabei esquecendo de Cecília Meireles, nossa grande poeta, que nasceu e morreu no mês de novembro, respectivamente nos dias 07 e 09. Ano passado fizemos uma blogagem coletiva para homenageá-la, mas este ano acho que ninguém lembrou...


Aqui Está minha Vida
Aqui está minha vida - esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz - esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor - este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança - este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
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Fora do ar

08 novembro, 2007
Estive fora do ar por quase uma semana. O temporal do dia 1° no Rio causou estragos também nos computadores aqui de casa, e isso num feriado. Só na segunda-feira foi possível começar a resolver os problemas. Por conta desse transtorno não pude participar da blogagem pela Ana Virginia, o que me deixou mais frustrada ainda. Só não foi pior porque assinei a petição na véspera da pane. Hoje retomo o blog, leio e respondo os emails, enfim, é a vida voltando à normalidade.


Feliz é quem se reencontra com prazer ao despertar, reconhecendo-se como a pessoa que gosta de ser.
Paul Valéry

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Paz - Eu quero acreditar

01 novembro, 2007
A palavra paz pode ter várias conotações, pois sua utilização se aplica na relação entre nações, entre pessoas e também na relação do indivíduo com ele mesmo. Todas as definições contêm a expressão: ausência de conflito. Para entendermos a paz precisamos entender sua antítese, o conflito.

Conflito significa um profundo enfrentamento de interesses e de idéias. Quando se instala um conflito e não se chega a um mediador comum, corre-se o risco do enfrentamento de forças, que são, entre indivíduos, as violências da vida social, entre nações, as guerras.

A modernidade melhorou consideravelmente a qualidade de vida do ser humano. Fico pensando a respeito, e me reporto aos bilhões de pessoas que habitam a Terra. Quantos são os que usufruem dessa modernidade? E quantos são os que ficam de fora? Apenas uma parcela mínima tem acesso às maravilhas do mundo moderno; a imensa parcela restante não possui sequer o elementar para sobreviver. Quantos são os países ricos e, portanto, poderosos? Quantos são os que vendem a alma do seu povo para tentar se juntar à cúpula do planeta? Quantos são os que teimam em existir, apesar de viverem na idade das trevas e de serem ignorados pelos demais?

No âmbito das nações está a sede de poder, e para alcançá-lo ou mantê-lo, qualquer meio é utilizado, não importando o quanto de destruição possa causar. São guerras e mais guerras travadas por motivos quase sempre banais, porque nenhum deles pode justificar tanto sangue derramado. Países, raças, fronteiras, tudo uma ficção; quando se fala desse ou daquele país se está falando das pessoas que o habitam. O que existe é o ser humano, com diferenças étnicas e culturais, mas com a mesma identidade da espécie.

Não é possível falar sobre paz sem mencionar o indivíduo; é nele que ela se concretiza. Pouco adianta exaltar a paz em tratados, livros, poemas, canções, todos tocantes e maravilhosos, se ela não for uma determinação permanente no coração humano. Somente assim, cultivada num coração pacífico, ela pode germinar e se multiplicar em outros corações, conduzindo todos à fraternidade.

O primeiro passo para alcançar a paz é torná-la realidade dentro de nós, muito além das palavras vazias, das frases de efeito, do politicamente correto. Ela não pode permanecer como coisa abstrata, isso não é a paz. Tão pouco acontece por obra do acaso, é aprendizado árduo, contínuo, pessoal, para se atingir harmonia e equilíbrio no agir e reagir, usando da ponderação, descartando a parcialidade, o egoísmo, o rancor e o ódio. Se não for assim, nos tornamos hipócritas a empunhar bandeiras sem convicção e sem exemplo pessoal, como tantos entre os que vestem branco e saem em passeatas pedindo paz, mas vivem em desarmonia com familiares, com vizinhos, não ouvem o que o outro tem a dizer, fazem intrigas, traem os companheiros e os amigos, desrespeitam as leis de trânsito, sujam as ruas, ligam apelhos de som num volume ensurdecedor, desdenham dos menos favorecidos, são preconceituosos e intolerantes, enfim, pessoas cujas as atitudes são o oposto daquilo que apregoam. Vemos isso todos os dias.

Se os amigos que visitam este blog repararam, não sei, pois nenhum se manifestou a respeito, seja nos comentários ou nos emails que costumamos trocar. No lugar destinado ao perfil está apenas: "Eu quero acreditar..."

Escrevi exatamente o que sinto, o que sou. Tudo que vejo à minha volta me conduz a não vislumbrar um futuro para a humanidade. No entanto, dentro de mim ainda resta uma chama de esperança que me impede de entregar os pontos e me faz seguir em frente na determinação de cumprir o que me cabe. Não é muito, nem sequer o bastante, eu sei, e mesmo assim eu quero acreditar...



Agradeço ao Lino Resende o convite para participar da blogagem coletiva.
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