O indivíduo em extinção

29 dezembro, 2018
A sociedade moderna tem se tornado compulsiva em atribuir caráter geral às pessoas em razão de gênero, etnia, idade, condição social, sexualidade, religião, profissão, etc. Uma vez classificada, a pessoa é incluída no grupo dos seus afins. O passo seguinte é separar os grupos "por assunto". Cumpridas essas etapas, estipula-se um valor social para cada grupo conforme a conveniência do momento. As pessoas aceitam isso com tanta naturalidade que muitas até disputam vaga nas prateleiras da coisificação humana.

Quando se parte do princípio que pessoas podem ser adjetivadas em grupo, significa, acima de tudo, que elas foram destituídas das suas individualidades. Vem daí afirmações absurdas como: "judeus são gananciosos", "mulheres são fúteis", "muçulmanos são terroristas", "ateus são o mal personificado", "religiosos são dignos", "velhos são bonzinhos", "políticos são corruptos", e por aí vai.
Quem já não ouviu que "velhos são bonzinhos"? São mesmo bonzinhos todos os velhos? Claro que não! Ser velho não é um atestado de bondade, significa apenas que a pessoa sobreviveu aos anos - se ela é boa ou má é outra questão. Portanto, generalizar é uma leviandade que conduz, fatalmente, a um erro de avaliação. Por mais semelhantes que sejam, os humanos têm peculiaridades individuais, não podem ser classificados como se fossem produzidos em série. Pelo menos, ainda não...

O indivíduo está em baixa, o pensamento vem perdendo seu caráter libertador para um script predeterminado que poucos se atrevem a desafiar.

O que mais se vê é a repetição exaustiva de padrões identificadores de cada tribo - aparência, linguagem, discurso, comportamento, e quem não se enquadra tem dificuldade para se relacionar no meio social; é aquela pessoa considerada "do contra".
Os grupos disputam entre si a posse da verdade, e isso complica o relacionamento entre pessoas de tribos diferentes, que enfrentam enormes barreiras quando tentam se comunicar. Basta um descuido, uma palavra cuja conotação seja execrada pelo grupo do interlocutor... adeus, amizade!

Dos comportamentos recorrentes, o mais em voga é o culto à felicidade, que prega a obrigatoriedade de sermos felizes, fortes e imbatíveis − como se a vida fosse só sucessos, flores e céu azul. Estar permanentemente feliz é utopia. Um dia chega o vento da verdade e desarruma tudo. Não mais certezas, não mais refúgios, não mais sossego, e o que se deixa de chorar, o excessivo autocontrole, a dor não externada, acabam voltando em desequilíbrio físico e psíquico, uma conta altíssima a se pagar.

Celebrar a vida não é rir à toa, nem passar batido pelos maus momentos. Celebrar a vida é permitir as emoções, é deixar fluir os sentimentos sem reservas ou mentiras, é preservar, sobretudo, a autonomia individual que distingue cada um dos demais.

Extinguir o indivíduo é profanar a vida.
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A flor na paredemundo

28 dezembro, 2018

Este blog tem uma longa história. Criado em dezembro de 2006, passou por diversas fases do mundo virtual.
Naquela época, a popularidade da ferramente estava no auge, e ele tinha meu nome no título. Nos blogs escrevíamos longos textos, líamos e divulgávamos os blogs de amigos, fazíamos "blogagens coletivas" sobre os mais diversos assuntos e, sobretudo, aprendíamos bastante uns com os outros. Com ele fiz amigos que permanecem até hoje na minha convivência virtual. Foram tempos de uma troca bastante positiva de pensamentos e afetos.

De uns meses para cá, comecei a sentir saudade do meu blog. Levei algum tempo amadurecendo a ideia de reativá-lo, não tinha certeza se valeria a pena. Um dia abri a página esquecida por anos, fui lendo os posts, os comentários, e as lembranças iam me emocionando. Sim, valeria a pena preservar essa parte da minha história!

Comecei criando um novo layout, depois um novo título, e por fim o trabalho mais demorado, a revisão das postagens. Revisão das postagens?! Pois é, seria necessário ajustar textos e imagens às novas medidas do layout, bem como muitos vídeos de músicas haviam sido retirados do YouTube e precisavam ser substituídos. Enfim, tarefas concluídas e blog ativo.

O que vou escrever aqui é apenas a minha opinião, e pode não ser a de outras pessoas, o que não faz a menor diferença para mim, já que meu objetivo não é popularidade, e sim um espaço meu, reflexivo, livre e questionador.

Aos que por aqui passarem: Sejam bem-vindos!
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Em paz num amanhecer

06 dezembro, 2012
O ano já está perto de terminar, o planeta vai completar sua órbita como sempre. É final de primavera no hemisfério sul. O dia amanhece num céu azul enfeitado com nuvens branquinhas, umas aqui, outras ali. De onde estou, fico encantada olhando suas formações que a brisa dessa manhã logo se encarrega de desmanchar. Passarinhos pousam cantando na varanda, o resto é silêncio.

Houve um tempo em que os dias pareciam mais longos que agora. Hoje, por mais que a gente se organize, 24 horas são insuficientes para as tarefas de cada jornada. Descansamos pouco, acordamos ainda com sono, nos agitamos o dia todo, de repente é noite novamente, e exaustos nos damos conta do quanto deixamos de cumprir. O que ficou em falta vai se acumulando numa lista enorme que nunca conseguirmos zerar. Pior, vamos passando batido por tudo, sempre na superficialidade, sempre sem tempo.
Tensão, angústia, ansiedade, consequências desse descompasso. E eu me pergunto a razão de vivermos desse jeito insensato... Será mesmo pelo pão nosso de cada dia, cada vez mais difícil de conseguir, ou nos tornamos incompetentes para administar a vida? As duas coisas, talvez.

Se pensarmos que antes, num passado próximo, tínhamos tempo de sobra, mesmo sem as facilidades tecnológicas que agora nos poupam de muitas tarefas e nos permitem resolver quase tudo numa tela de computador ou celular, veremos o tamanho do caos onde nos metemos.
Por que não nos sobra tempo ao invés de faltar?! Qual o sentido desse tipo de vida?!

Acho que vem daí eu gostar tanto das silenciosas madrugadas, as horas calmas do meu pensar. São elas que me fazem estar em paz neste amanhecer.
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Elis Regina - in memoriam

19 janeiro, 2012
Trinta anos passaram. Elis morreu em 19 de janeiro de 1982, sem despedidas, sem nem sabermos porque partiu.

Lembrando dela, lembrei também de um poema de Drummond, escrito para seu grande amigo Pedro Nava que se suicidou sem deixar uma linha sequer sobre a motivação do ato extremo. O poema se intitula A um ausente, e transcrevo aqui apenas os versos que expressam meus sentimentos sobre a partida de Elis.



Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu...

... o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.


Não creio na vida após a morte, e uma das poucas passagens bíblicas de algum significado para mim está em Genesis 3:1:9: No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás.

Somos poeira cósmica e a ela retornaremos um dia, isso é tudo em que acredito. Fica de nós a obra realizada, até que o último que se lembre esteja vivo. Por isso, Elis permanecerá por muito tempo ainda.

Música que amo de paixão, e que têm em Elis a sua mais perfeita intérprete.


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BookCrossing

11 novembro, 2011
Faz três anos, numa reunião de condomínio, foi proposto o aproveitamento de uma sala junto à área de lazer, fechada há muito tempo, e que já abrigara uma pequena biblioteca. Meu filho, presente à reunião, sugeriu que a biblioteca fosse reativada. Todos aprovaram, porém ninguém queria a tarefa de fazer o levantamento do acervo, e muito menos ser responsável por ele. Pois bem, entusiasmado com a ideia, ele assumiu sozinho o trabalho; sozinho é força de expressão, ele sabia que poderia contar comigo.

No dia seguinte, descemos para conhecer a sala e ver o que havia por lá. O espaço era razoável, as paredes tinham estantes de aço do chão ao teto, e livros, muitos livros empoeirados, amontoados por todo lado. Assustava olhar aquilo e imaginar o que nos esperava, mas respiramos fundo e fomos em frente.
Começamos tirando os livros e empilhando-os na varanda próxima à sala, num vaivém sem fim. Eram livros bem diversificados: nacionais, estrangeiros, romances, biografias, crônicas, poesias, técnicos, didáticos, coleções, enciclopédias, e até obras raras da literatura portuguesa do século XIX. Sala esvaziada, um dos funcionários veio fazer a limpeza enquanto saíamos em busca de grandes caixas de papelão para a organização inicial, que seria separar os livros por assunto. Como nosso tempo livre era pouco, levamos quase uma semana só nessa etapa.
A segunda parte do trabalho foi mais demorada ainda: refinar a separação por autor, limpar os livros, colar etiquetas numeradas e anotar as informações correspondentes a cada número. A sala ganhou ventilador de teto, melhor iluminação, mesa com duas cadeiras, e os livros, finalmente, foram arrumados nas prateleiras. Ficou bem aconchegante.

Não posso dizer que a utilização da biblioteca esteja conforme esperávamos, visto que o movimento é pouco em relação ao número de moradores, porém não chega a desanimar. Alguns doam livros que acabaram de ler, a retirada de títulos tem sido regular, estudantes usam o acervo para pesquisas escolares, e a administração destinou uma pequena verba trimensal para a aquisição de livros novos. De uma forma ou de outra, os livros vão mudando de mãos.

Dessa experiência, concluí que o alto custo de um livro não é a principal razão para que se leia tão pouco, mas sim o desinteresse. A leitura parece não atrair boa parte das pessoas, que preferem assistir TV a ter um livro nas mãos. Por outro lado, tenho observado na Internet certa frequência de citações de autores, trechos de livros, máximas, poemas, etc. Sei que a maioria sequer leu as obras mencionadas, e pouco ou nada conhece sobre quem as escreveu, mas considero, apesar disso, um sinal que a semente foi lançada, só falta rega e luz para germinar.

Vivemos novos tempos, nada faz lembrar a calma de quando as horas custavam a passar e a leitura era uma das raras distrações que se tinha. Hoje, para conseguir atrair a atenção das pessoas é preciso marketing e domínio da moderna tecnologia, não importa se o produto é um carro ou um livro. Acontece que não se vê propaganda de livro na TV, que é a única fonte de informação para quase a totalidade do povo brasileiro. E se não "apareceu" na TV, não existe ou não é importante.
Durante muitos anos a televisão reinou absoluta, ditou o gosto e o comportamento das pessoas, mas isso vem mudando com o uso do computador, que pode ser, entre mil outras coisas, um atraente fator de motivação cultural, como o BookCrosssing Blogueiro, por exemplo. A questão é aprender a direcionar o clique para o lugar certo, e aqueles que têm o privilégio de melhor cultura devem, ajudar os que ainda não chegaram a esse patamar. Nada radical, para não se tornar uma chatice e o tiro sair pela culatra. Assim, como quem não quer nada, um toque aqui, outro ali, sempre com delicadeza, e as coisas vão melhorar!


Faltou falar sobre o livro que passarei adiante: Asas da Loucura (Editora Objetiva), do premiado jornalista americano Paul Hoffman.
É um livro fascinante, que faz um relato detalhado da vida, dos feitos e da personalidade de Santos-Dumont, tendo como pano de fundo as sociedades brasileira e européia, desde 1873 até 1932, respectivamente, anos do seu nascimento e da sua morte.
Como farei isso? Doando para a nossa biblioteca, claro!

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Engano

29 outubro, 2011
A saudade arma a cilada, cair ou não é por nossa conta.


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