O outro prato da balança

28 fevereiro, 2008
Meu primeiro blog chamava-se "Hier Encore" em homenagem a Charles Aznavour, autor e intérprete dessa música linda, tanto na melodia quanto na letra. O tema era descrito com as seguintes palavras:
"Uma reflexão sobre o tempo e sobre o modo como utilizamos esse breve momento que chamamos existência.
Ainda ontem, eu tinha vinte anos, e num átimo estou envelhecendo. A gente nem percebe como o tempo se esgota. Amanhece, logo já é noite, e um novo amanhecer sucede à escuridão. Lá se vão os dias, os anos e a vida..."


Nunca foi um blog popular, como este também não é, porém me dava um enorme prazer escrever naquele espaço. Era uma conversa entre "eu e mim"... O provedor não era dos melhores, havia certa dificuldade na edição dos posts e dos comentários, o que me levou a procurar outro que me agradasse mais. Assim, vim para o BlogSpot, ao qual não faço restrições. O nome do blog mudou para Betty e me entrosei melhor com a blogosfera. Passado mais de um ano, é hora de fazer um balanço.

Percebi que temos dado muita ênfase a assuntos pesados, principalmente os de cunho político, sendo que pouco adianta falarmos exaustivamente sobre as mesmas questões, nos iludirmos que podemos mudar alguma coisa a curto ou médio prazo. Não podemos. Somos um número inexpressivo de seres pensantes em relação à grande massa ignara, e ela é quem decide as eleições no Brasil. A nós, resta irmos levando sem maiores expectativas, pois as mudanças necessárias não serão vistas pela nossa geração. O caminho é árduo e longo, implica no investimento massivo em cultura e educação formal, coisas de pouco valor por aqui. Um dia, quem sabe...

Não preciso, nem desejo, alardear que sou uma pessoas preocupada com o destino do planeta e da humanidade, até porque as mais puras atitudes são silenciosas. Sei que jamais me afastarei dos meus princípios, valores transmitidos pela minha família, por alguns professores durante os anos de estudo e, principalmente, por meu pai, meu mestre maior. No entanto, sei também diferenciar o que me cabe daquilo que de mim não depende. Faço a minha parte, o que é da minha responsabilidade, usando meus talentos, tentando superar minhas limitações, e disso não abro mão.

A vida não é só tragédia e dor, existem coisas boas acontecendo, é preciso olhar em outras direções: cientistas trabalhando pela cura das doenças, pessoas zelosas que não desperdiçam nem poluem, outras tantas fazendo bem ao próximo, artistas criando belezas que nos encantam, todos contribuindo para o bem, o belo e o melhor. De tristezas, basta as que estão nas manchetes cotidianamente. Quero escrever sobre música, cinema, literatura, sobre coisas bonitas, porque o mundo já está feio demais para meu gosto. Quero paisagens serenas, não apenas as de desgraças mundo afora. Quero flores no meu jardim.

Não pretendo me tornar uma alienada, só quero acrescentar um toque de delicadeza no outro prato da balança.

Imagem: Philip Craig
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Esperança - Mário Quintana

22 fevereiro, 2008
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
– ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
– Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
– O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

Imagem: Richard Zolan
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Alberto Caeiro

17 fevereiro, 2008
Alberto Caeiro é um dos heterônimos de Fernando Pessoa, que assim narrou seu surgimento numa carta a Adolfo Casais Monteiro:
"... lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucolico, de especie complicada, e apresentar-lh’o, já não me lembro como, em qualquer especie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma commoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa especie de extase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triumphal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um titulo, "O Guardador de Rebanhos". E o que se seguiu foi o apparecimento de alguem em mim, a quem dei logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da phrase: apparecera em mim o meu mestre."

O Guardador de Rebanhos - fragmentos

I
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
.............................
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.



II
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...



IX
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.



XXI
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...



XXVI
Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!



XXVIII
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.



XXXVIII
Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos todos os homens
Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu,
E nesse puro momento
Todo limpo e sensível
Regressam lacrimosamente
E com um suspiro que mal sentem
Ao homem verdadeiro e primitivo
Que via o Sol nascer e ainda o não adorava.
Porque isso é natural – mais natural
Que adorar o ouro e Deus
E a arte e a moral...
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