Bernardo Soares - Livro do Desassossego

23 junho, 2008


Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor a minha idéia de os achar belos.
Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos.

Eu não sou pessimista, sou triste.
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Ainda resta o pôr do sol

03 junho, 2008


É um cenário espetacular, sem dúvida, composto por um recorte geográfico deslumbrante que encanta visitantes e enche de orgulho os nativos. O Rio de Janeiro ainda é belo, mas não pode mais ser apreciado como merece.

Houve um tempo em que se vivia em paz por aqui. Lembro dos passeios na Floresta da Tijuca, no Jardim Botânico, no Aterro do Flamengo, no Parque da Cidade, na Quinta da Boa Vista, dos concertos ao ar livre do Projeto Aquarius... Costumava ir a uma igrejinha em Santa Teresa para ouvir música barroca, só oboé e cordas, tocada por um grupo de jovens estudantes de música, alunos de uma professora do bairro. Depois visitava o Museu da Chácara do Céu, e terminava o dia vendo a cidade se acender no Mirante do Rato Molhado.

Na Praia Vermelha, gostava de me sentar pertinho de Chopin, que lá tem uma estátua, e inspirava os namoros nas tardes de verão. Sim, era possível namorar ali ou em qualquer lugar sem medo de violência. Amava-se em paz entre as lindas paisagens da cidade.

Embarcar no bondinho do Pão de Açúcar era sempre uma grande emoção, apenas suplantada pela subida de trenzinho ao Corcovado. A estrada de ferro passa pela maior floresta urbana do mundo, no Parque Nacional da Tijuca, proporcionando aos visitantes um passeio belíssimo. Faz muito tempo que não vou lá, tenho medo de assaltos, que agora são freqüentes.

Na Ipanema provinciana onde me criei, as famílias passeavam na orla após o jantar, mesmo durante a semana, enquanto as crianças brincavam livremente na areia e os adolescentes - essa palavra não era usada, dizia-se "as moças e os rapazes" - formavam rodinhas de violão sob os coqueiros. Sempre havia quem tocasse, e todos cantavam de cor as músicas da bossa nova. Os prédios eram poucos, no máximo com quatro andares, a maioria sem elevador, as casas eram muitas. Como nas pequenas cidades do interior, todos se conheciam e se cumprimentavam nas ruas, com a cordialidade própria entre vizinhos. As pessoas iam à praia no ponto extamente onde moravam, não havia isso de "point", ía-se à praia, apenas isso. Na minha rua não passava ônibus, carros eram pouquíssimos, sempre em velocidade baixa, por serem todos de moradores das imediações. Nos fins de semana estendíamos uma rede entre dois postes para jogar vôlei, e também dávamos voltas de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas, tudo isso na maior tranquilidade.

Hoje a poesia não existe mais, a inocência se perdeu, a paz foi esquecida. É verdade, ainda se pode sentar nas pedras do Arpoador e ver o espetáculo do Sol se pondo na direção dos Dois Irmãos, porém sem o coração sereno de antes. Necessário é estar atento, que a violência não tem piedade.
A beleza permanece, mas a cidade está ferida e sangra intensamente.
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