Miguel Torga - Aos Poetas

23 janeiro, 2008
O poeta e prosador português Miguel Torga, várias vezes premiado, deixou-nos vasta obra em poesia, prosa, peças teatrais e 16 volumes de seus diários, muitas traduzidas para vários idiomas.

Faz um ano que conheci esse grande autor por indicação do Fernando, querido amigo de além-mar, e foi um caso de amor à primeira vista. Aliás, o Fernando, também apaixonado por poesia, me faz conhecer poetas maravilhosos, e lhe sou grata por isso, até porque os poemas vêm sempre com sorrisos, flores e música...



Aos Poetas

Somos nós
As humanas cigarras!
Nós,
Desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos
A passar!...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras,
Asas que em certas horas
Palpitam,
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
mas sim do mosto que a beleza traz!

E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
De uma gesta de amor universal!
Duma epopéia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!

Homens do dia a dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!

Imagem: Fabian Perez
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Beatles em chorinho

21 janeiro, 2008
Descobri uma coleção musical espetacular: Beatles 'N' Choro!
São músicos brasileiros da melhor qualidade executando a obra dos Beatles em chorinho.



Para quem não conhece chorinho, eis um texto copiado do site:
"Botequim do Samba"

Gênero criado a partir da mistura de elementos das danças de salão européias (como o schottisch, a valsa, o minueto e, especialmente, a polca) e da música popular portuguesa, com influências da música africana. De início, era apenas uma maneira mais emotiva, chorosa, de interpretar uma melodia, cujos praticantes eram chamados de chorões. Como gênero, o choro só tomou forma na primeira década do século 20, mas sua história começa em meados do século XIX, época em que as danças de salão passaram a ser importadas da Europa. A abolição do tráfico de escravos, em 1850, provocou o surgimento de uma classe média urbana (composta por pequenos comerciantes e funcionários públicos, geralmente de origem negra), segmento de público que mais se interessou por esse gênero de música.

Em termos de estrutura musical, o choro costuma ter três partes (ou duas, posteriormente), que seguem a forma rondó (sempre se volta à primeira parte, depois de passar por cada uma). A origem do termo choro já foi explicada de várias maneiras. Para o folclorista Luís da Câmara Cascudo, esse nome vem de xolo, um tipo de baile que reunia os escravos das fazendas; de xoro, o termo teria finalmente chegado a choro. Por outro lado, Ary Vasconcelos sugere que o termo liga-se à corporação musical dos choromeleiros, muito atuantes no período colonial. José Ramos Tinhorão defende outro ponto de vista: explica a origem do termo choro por meio da sensação de melancolia transmitida pelas baixarias do violão (o acompanhamento na região mais grave desse instrumento). Já o músico Henrique Cazes, autor do livro Choro - Do Quintal ao Municipal, a obra mais completa já publicada até hoje sobre esse gênero, defende a tese de que o termo decorreu desse jeito marcadamente sentimental de abrasileirar as danças européias.




* O vídeo foi atualizado em junho de 2018; o anterior não estava mais disponível no YouTube.
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Sei não...

13 janeiro, 2008
Longe de toda essa loucura urbana, sem tv, internet, jornal, nada além de descanso, bons papos, música e longas caminhadas. Em infinitos matizes, o verde dos campos me acalma, me traz sensação de paz, assim como os riachos e as pequenas quedas d'água. Pisar sobre um colchão de folhas e gravetos, ouvindo o ruído que meus passos provocam, admirar uma velha árvore, sentar embaixo dela e ficar em silêncio no aconchego da mãe terra. Eu precisava disso.

Apesar de ser um bicho urbano - nasci e me criei na cidade do Rio de Janeiro, tenho fases de me recolher. Gosto da proximidade do mar, do cheiro de maresia, da brisa que corre na orla, de olhar o horizonte e me deslumbrar com o pôr do sol, mas não de areia, nem de claridade e calor excessivos. O Rio só conhece duas estações: o calor e o verão; terminantemente, não me adapto a esse clima!

Mudou o calendário, festejou-se o novo ano como se a mera mudança de data pudesse transformar o mundo e a existência de cada um. Ilusão... Quando amanhece o primeiro dia de janeiro tudo está como sempre esteve, a luta pela vida continua, com todas as peças do jogo no mesmo lugar, do jeito que foram deixadas na noite anterior. Vale a festa pelo significado simbólico, esperança de tempos melhores, luzes dos fogos a iluminar o céu, beleza do momento, enfim. Não participo porque não vejo sentido para tanta euforia e não me sinto bem na multidão que se forma pelas praias e ruas, quase toda movida a álcool e drogas. Não, isso nada tem a ver comigo.

O ser humano não tem muito a comemorar, perdeu o rumo em meio à indignidade. A realidade costuma ser difícil de enfrentar, e muitas pessoas, num mecanismo de defesa, preferem fingir que tudo vai bem. Aquelas que não conseguem ser alto astral o tempo todo, entre as quais me incluo, vão ficando reclusas a pequenos guetos, porque ser gauche está fora de moda, destoa da falsa alegria reinante.

Se a humanidade não mudar de rumo, sei não...
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