Ainda resta o pôr do sol

03 junho, 2008


É um cenário espetacular, sem dúvida, composto por um recorte geográfico deslumbrante que encanta visitantes e enche de orgulho os nativos. O Rio de Janeiro ainda é belo, mas não pode mais ser apreciado como merece.

Houve um tempo em que se vivia em paz por aqui. Lembro dos passeios na Floresta da Tijuca, no Jardim Botânico, no Aterro do Flamengo, no Parque da Cidade, na Quinta da Boa Vista, dos concertos ao ar livre do Projeto Aquarius... Costumava ir a uma igrejinha em Santa Teresa para ouvir música barroca, só oboé e cordas, tocada por um grupo de jovens estudantes de música, alunos de uma professora do bairro. Depois visitava o Museu da Chácara do Céu, e terminava o dia vendo a cidade se acender no Mirante do Rato Molhado.

Na Praia Vermelha, gostava de me sentar pertinho de Chopin, que lá tem uma estátua, e inspirava os namoros nas tardes de verão. Sim, era possível namorar ali ou em qualquer lugar sem medo de violência. Amava-se em paz entre as lindas paisagens da cidade.

Embarcar no bondinho do Pão de Açúcar era sempre uma grande emoção, apenas suplantada pela subida de trenzinho ao Corcovado. A estrada de ferro passa pela maior floresta urbana do mundo, no Parque Nacional da Tijuca, proporcionando aos visitantes um passeio belíssimo. Faz muito tempo que não vou lá, tenho medo de assaltos, que agora são freqüentes.

Na Ipanema provinciana onde me criei, as famílias passeavam na orla após o jantar, mesmo durante a semana, enquanto as crianças brincavam livremente na areia e os adolescentes - essa palavra não era usada, dizia-se "as moças e os rapazes" - formavam rodinhas de violão sob os coqueiros. Sempre havia quem tocasse, e todos cantavam de cor as músicas da bossa nova. Os prédios eram poucos, no máximo com quatro andares, a maioria sem elevador, as casas eram muitas. Como nas pequenas cidades do interior, todos se conheciam e se cumprimentavam nas ruas, com a cordialidade própria entre vizinhos. As pessoas iam à praia no ponto extamente onde moravam, não havia isso de "point", ía-se à praia, apenas isso. Na minha rua não passava ônibus, carros eram pouquíssimos, sempre em velocidade baixa, por serem todos de moradores das imediações. Nos fins de semana estendíamos uma rede entre dois postes para jogar vôlei, e também dávamos voltas de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas, tudo isso na maior tranquilidade.

Hoje a poesia não existe mais, a inocência se perdeu, a paz foi esquecida. É verdade, ainda se pode sentar nas pedras do Arpoador e ver o espetáculo do Sol se pondo na direção dos Dois Irmãos, porém sem o coração sereno de antes. Necessário é estar atento, que a violência não tem piedade.
A beleza permanece, mas a cidade está ferida e sangra intensamente.

comentários

  1. Ah Betty, você me fez chorar. Que saudade de um tempo melhor.
    Beijocas tristes

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  2. Betty, eu que só fui conhecer o Rio, que era o sonho dourado de toda criança pobre, quando já tinha casado, me uno a você e a todos os que aí vivem neste clamor e nesta tristeza contra o que deixaram acontecer com esta cidade.
    É um crime inominável. Todo mundo se preocupa agora com a floresta amazônica. Nem um olhar de condescendência com o Rio.
    PS: cada vez que vou aí, não deixo de subir no Pão de Açúcar. Quando estou lá em cima, olhando do mirante, me sinto fora deste insensato mundo.
    bj

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  3. minha linda Betty

    VOLTEI LINDA!!!

    OBRIGADAAAAAAA

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  4. Olá!
    A verdade é que está a custar chegar um tempo melhor. Vamos ver se algum dia chega, quem sabe?
    Parabéns

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  5. Betty, isso está acontecendo no país todo. Tanta poesia nas praias de Alagoas,..mas tão logo o sol se põe corremos para dentro de casa e nos trancafiamos dentro de nósmesmos.
    Que pena viveruma vida dessas. Eu estou caminhando em direção a uma desilusão total de viver no Brasil.
    E por incrível que pareça, qualquer dia desses eu vou colocar uam mochila nas costas e me meter nas savanas africanas ou perambular pelo mundo.
    Mas e se o resto do mundo estiverda mesma forma, iremos em direção ao sol de nossos interior. Pelo menos esse não há quem tome. Isso se ainda tivermos condições de mantê-lo intacto.
    bjs e dias felizes

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  6. Que beleza de memória, Betty! Incrivelmente real, passado e presente! Não sou carioca, mas vou ao Rio desde criança e morei aí por oito anos, passei aí minha adolescência. Era assim mesmo. É assim mesmo. No entanto, guardo no coração todas essas belas imagens de uma cidade que aprendi a amar. Meu sonho é viver aí meus últimos dias. Depois da aposentadoria sonhada, o Rio sonhado! Pra sentir tudo de novo. Lendo você, me vi no Arpoador, vendo "o espetáculo do sol se pondo".
    Maravilhoso post!
    Muitíssimo obrigado!
    Bjooooooooooooossssssssss!!!!

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  7. Betty querida,

    Saudades imensas de você, saudades imensas de vir aqui, saudades de tanta coisa que o tempo e a falta dele nos leva...

    Como esse belo post, que fala de saudade, ecom ele é possível se transportar por qualquer parte desse Brasil, a poesia já não existe mais...

    Estou escrevendo um e-mail para você...
    Saudades querida,
    Beijo carinhoso, Cris

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  8. Infelismente, o caos social que vivemos hoje, não deixará aos nossos, um legado de beleza e esplendor que sempre foi o saudoso Rio de Janeiro. Aqui, em Foz a coisa anda do mesmo jeito querida, não se pode mais ter sossego, devemos sim estar com os olhos bem abertos e, quanto menos de sai de casa, mais seguro estamos, será????

    Um beijão e desculpe a demora da visita mas a coisa anda preta por aqui...

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  9. Infelizmente vc tem toda a a razão,
    na mesma Ipanema que vc se criou, tb me criei.
    Na Pça Nsa. sra. da Paz.(onde morava na época) eu pegava minha irmã de 8 anos , eu tinha 11
    e íamos para a praia, sòzinhos.
    de 7 até as 11. depois para a escola.
    Na escola Roma em Copa.
    Hoje eu tenho medo de sair até de carro.
    se a cidade sangra, eu queria muito ser a mão que fizesse a sutura para salvar nossa cidade.
    Pena que existem mais mãos para ferir, que para curar.
    Mas tenho fé.
    Parabens pelo seu blog
    Maurizio

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  10. Passei 15 dias no Rio, me aventurei a andar só, ainda fotografando, devo ser muito abençoada por Deus, nem uma topada, não vi uma confusão. Vi menos meninos de rua do que em Recife. Vi pessoas andando com os vidros do carro abaixado, o que não podemos fazer aqui. Apesar do que falam da violência, a cidade é linda, e eu apaixonada por ela.
    abraços

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  11. É muito triste ver a cidade mais linda do Brasil ser tomada pela violência, sem que se encontre uma saída para a criminalidade institucionalizada.

    beijos, bom domingo.

    betty, perdoe-me as ausências, mas estive com reforma em casa e ando viajando demais a trabalho, com pouquíssimo tempo para visitar os amigos.

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