Um poema de Miguel Torga

17 janeiro, 2010
O meu perfil é duro, como o perfil do mundo
Quem adivinha nele a graça da poesia?



Há 15 anos morria em Coimbra o grande escritor português Miguel Torga, cujo nome de nascimento era Adolfo Correia da Rocha. Foi um homem de temperamento complexo, pouco sociável, cuja obra reflete as apreensões, esperanças e angústias do seu tempo.

Não passarão

Não desesperes, Mãe!
O último triunfo é interdito
Aos heróis que o não são.
Lembra-te do teu grito:
Não passarão!
Não passarão!
Só mesmo se parasse o coração
Que te bate no peito.
Só mesmo se pudesse haver sentido
Entre o sangue vertido
E o sonho desfeito.
Só mesmo se a raiz bebesse em lodo
De traição e de crime.
Só mesmo se não fosse o mundo todo
Que na tua tragédia se redime.
Não passarão!
Arde a seara, mas dum simples grão
Nasce o trigal de novo.
Morrem filhos e filhas da nação,
Não morre um povo!
Não passarão!
Seja qual for a fúria da agressão,
As forças que te querem jugular
Não poderão passar
Sobre a dor infinita desse não
Que a terra inteira ouviu
E repetiu:
Não passarão!

Imagem: betty

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