Letra: Ferida Exposta ao Tempo

12 abril, 2010


É forçoso dizer que me faz falta
o poema que existe e nunca li,
como se alhures
brotassem coisas que não vi
e que distantes,
carentes,
dependessem de mim.
Algo como se o intocado fosse a sinfonia
inacabada, mais: rasgada
como o quadro nunca esboçado, perdido
na abatida mão do artista.

O ausente
é uma planta
que na distância se arvora
e é tão presente
quando o passado que aflora.

E a literatura, mais que avenida ou praça
por onde cavalga a glória, é um monumento,
sim, de dúbia estória: granito e rima,
alegoria ao vento, lugar onde carentes
e arrogantes
cravamos nosso nome de turista:
- estive aqui, desamado,
riscando a pedra e o tempo
expondo meu sangue e nome
com o coração trespassado.

- Affonso Romano de Sant'Anna -


Imagem: Patricia Quintero

comentários

  1. Belíssimo este texto Betty. Intenso. Para ler e reler. Para refletir, para sentir cada palavra, cada letra.

    Beijos e boa semana.

    PS. Obrigada pelos bons desejos para Flavia na cirurgia do próximo dia 20.

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  2. Texto maravilhoso !
    Sou meio suspeita porque gosto de tudo que o Affonso Romano escreve. Ai que inveja (inveja boa... existe?)da Marina Colasanti!
    Beijo e uma semana de paz !

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  3. Betty, a literatura que nos abriga é tão compartimentada. Mas eu digo que faz falta um escritor arretado, como o que trouxe como exemplo de pluralidade. Este tinha um brazilzão nos bolsos, onde ele separava o que queria e quando queria:

    "O senhor... Mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água se caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso... O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo... Eu quase nada não sei. Mas desconfio de muita coisa". (João Guimarães Rosa / Grande Sertão : Veredas)

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  4. Romano foi uma grande escolha, Betty! Aliás, você nunca erra. Impressionante esse bom gosto!
    Obrigado pela presença lá em nosso niver.
    Bjooo!!!

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  5. Oi Betty. Nao morri viu?! So estava meio longe da web por um tmpo.
    Vim deixar um recadinho especial.

    O ''Crõnicas de Afeto'' estará completando 2 anos no próximo dia 20.

    Mas vc tb ganha presente: tem um selinho comemorativo especialmente feito p/ vc, por que p/ mim o seu blog tem afeto.

    Passa lá pra conferir!
    Beijos,
    Brunno Soares

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  6. Uau!! Este poema não conhecia e me senti como o autor - olha a pretensão! - na precisão de ter lido antes, pelos versos ter ocupado lacunas, dito e esclarecido, através do mistério das letrinhas, que em códigos decifram sentimentos resgatados bem lá no fundo do nosso âmago.

    Boa semana!! Beijus,

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  7. Oi, Bettynha... Passando para ver teus novos posts...

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