Visitando o passado

12 outubro, 2007
Sempre tive muita curiosidade em relação às origens da minha família. Meu avô materno, Adalberto de Cocchiarelli, era um grande contador de histórias, e tive a felicidade de conviver com ele nos dez primeiros anos da minha vida. Era um homem muito alto – 1,97m, magro, mãos enormes, que estava sempre alegre e disposto para uma boa conversa. Gostava de falar sobre a Itália, sua terra natal, descrevendo lugares com tanta riqueza de detalhes que eu podia vê-los na minha imaginação infantil.



O que mais me fascinava era ouvir sobre Venezia, La Serenissima, como ele a chamava, cidade surgida na Laguna Veneta, no Mar Adriático. Contava que os restos mortais do apóstolo Marcos foram levados desde Alexandria até lá, e que construíram para ele uma igreja enorme, linda, numa praça monumental à beira da Laguna. Não faltavam as histórias das guerras, dos doges, das pontes, especialmente a dos Suspiros, por onde passavam os condenados à morte, da importância do comércio, das gôndolas, das canções, do sedutor Casanova, e tantas outras.

O tempo passou, e aos dezessete anos fiz uma longa viagem à Europa. Era um sonho que vinha acalentando há muito tempo, tanto que dispensei a festa de quinze anos, que era o máximo naquela época, para juntar dinheiro e poder realizá-lo. Foram três meses conhecendo culturas diferentes, história, museus, palácios, cidadezinhas bucólicas fora das grandes capitais, coisas que me abriram horizontes para toda a vida. As lembranças são todas intensas, mas nenhuma supera o momento da chegada à Veneza.

Quando o vaporetto se aproximou do cais, na Praça de São Marcos, eu comecei a chorar. Veneza estava ali, diante dos meus olhos, tal qual meu avô a descrevera, parecia um sonho. A tarde caia sobre a laguna, um vento suave parecia me envolver num abraço, e a forte emoção que sentia era um misto de alegria e de saudade. Mamãe, que me acompanhou na viagem, também estava muito comovida e chorava também. Impossível estar em Veneza sem sentir a presença do vovô. Até a voz dele, com aquele sotaque característico, podíamos ouvir, e sei que ele esteve conosco naquele momento.
O interessante é que vovô não era veneziano, era napolitano, só tinha estado em Veneza uma única vez na vida, ainda rapazinho, e acabou se apaixonando para sempre pela cidade.

Meu avô paterno, Giovanni, que chamávamos carinhosamente de vovô Joaninho, era veneziano, o que só fui saber por volta dos meus quinze anos, porque nesse lado da família as pessoas eram bastante reservadas, ainda que afetuosas. Após a morte da vovó, ele vinha todas as semanas passar uns dois dias em nossa casa. Costumava sentar comigo e com a maninha para nos ajudar com os deveres da escola, principalmente matemática e inglês, matérias que ele dominava, pois fora engenheiro da Light, uma companhia inglesa de fornecimento de energia. Fora essas horas, quase não conversávamos com ele.
Até que certa vez tomei coragem e perguntei sobre o nosso sobrenome - Vernieri, porque me intrigava não conhecer outras pessoas fora da família com esse sobrenome, diferentemente de tantos outros que se repetiam em famílias distintas. Ele, então, respondeu que seus pais contavam que Vernieri, Verniero, Vernier, Verniere eram variantes de Venier, nome de família do doge veneziano Antonazzo Venier, nosso ancestral. Foi lacônico, num tom de voz sem qualquer entusiasmo, me lembro bem; não me senti confortável em perguntar mais nada, apesar de não ter saciado a minha curiosidade.


Moedas do tempo de Antonazzo

Assim, quando estive em Veneza, pesquisei e descobri que existiu mesmo o Doge Antonazzo Venier, ou Vernier - encontrei as duas grafias, que governou entre 1382 e 1400, e era considerado um homem com grande senso de justiça. Sua cripta está em Campo SS. Giovanni e Paolo, uma antiga e belíssima basílica dominicana, onde estão também as criptas de outros doges.


Francesco

Em 1553, Francesco Venier, descendente de Antonazzo, foi eleito Doge de Veneza. Governou por um breve período porque sua saúde frágil o levou à morte três anos depois, em 2 de junho de 1556. Ficou conhecido pela personalidade austera e pela moderação nas decisões que tomava. O pintor Titian (Tiziano Vecellio) fez seu retrato, e a obra se encontra hoje no museu Thyssen-Bornemisza, em Lugano, na Suiça.


Sebastiani

O sobrinho de Francesco, Sebastiani Venier, foi o vitorioso comandante da frota veneziana na Batalha de Lepanto, considerado um herói, se tornou doge em 1577, aos 81 anos, e morreu no ano seguinte. Sua cripta também está em Campo SS. Giovanni e Paolo, e ainda uma imponente estátua em bronze, encomendada, em 1907, ao escultor italiano Dal Zotto.

Mais recentemente, pesquisando na Internet, encontrei outro ramo da família, em Salerno, onde há uma grande avenida chamada Via Michele Vernieri, e também uma estação de trem, Stazione Duomo Via Vernieri.

A comuna de Vietri Sul Mare, na província de Salerno, compõe a Costa Amalfitana, uma das regiões mais bonitas da Itália, declarada Patrimônio da Humanidade.



A pesquisa foi muito superficial, mas pretendo aprofundá-la à medida que o tempo permita. Queria tanto saber mais sobre tudo isso...

Estou nostálgica esta noite.

comentários

  1. Nostálgica, mas brilhante, Betty! O post ficou ótimo, com as imagens bem colocadas ao lado do texto. Que é uma viagem para os leitores. Ainda mais para os admiradores da Itália, como eu.
    Bjuuusss!!!
    PS: falam de você, lá na redação.

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  2. Betty, eita cantinho de cultura o seu. Um post prá lá de interessante, valeu mesmo...

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  3. Betty: nostálgica numa noite d edia das crianças...é natural!
    Adorei sua visita ao meu Cotidiano...mesmo tendo se enganado com o meu nome...rs
    Bjus carinhosos pra ti.

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  4. Boa noite de sábado pr avc e sua família.

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  5. Betty querida,
    Estou caindo de sono, mas não podia deixar de passar por aqui, o feriado está sendo corrido, pois estou com visita..

    Me emcionei lendo seu post, uma viagem no tempo, não é mesmo? No tempo e na história, creio que todos temos essa curiosidade natural sobre nossas famílias, e a sua está belíssima e nos rendeu um texto de rara sensibilidade, nostálgica sim, porque não?
    Um pouco de nosalgia não faz mal a ninguém, tudo bem, sou suspeita para falar pois sou umanostálgica incorrigível, mas tá valendo...e Parabéns! Está lindo o seu post...
    Vou responder seu e-mail, obrigada pela visita, beijinho carinhoso,
    Cris

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  6. Muito legal toda esta atenção preocupação e interesse, porque assim é que passamos a ter consiência mais precisa da responsabilidade que temos nos registros que deixamos do nosso tempo este que vivemos.
    http://cadinho RoCo.loginstyle.com

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  7. Desculpe, mas é que deixei meu endereço escrito errado. O correto é: http://cadinhoroco.loginstyle.com

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  8. Betty,
    que delícia essa volta ao passado viajando pela Itália e, de quebra, conhecendo um pouco da sua família. Parabéns pela pesquisa, é muito importante a gente saber das nossas raízes, a história da nossa história.
    Beijos e boa semana!
    Rosana

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  9. Betty, que delícia ler o que você escreveu. Me deu uma grande vontade de sair por aí descobrindo um monte de maravilhas. Beijocas minha mais nova recente amiga de infância.

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  10. Betty: nostálgica em Veneza não há problema! Ainda por cima com as associações que tem com a família e o vovô como carinhosamente a ele se refere. Ano passado fiz umas férias em Itália e ao ver o seu post também fiquei nostalgico. Veneza, por mais que critiquem deixa-nos marcados para sempre e é inesquecível, (aquela Praça de S. Marcos é uma das mais belas do Mundo), Roma monumental, e ainda tive oportunidade de visitar outras cidades ainda que a correr: Florença, Siena, Assis ... Valeu a pena. Parabéns pelo post! Uma excelente semana :)

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  11. Oi, Betty!
    Vim aqui agradecer a sua visita e pedir desculpas pela demora em fazê-lo. É que o meu PC tem "aprontado" comigo e só funciona quando bem quer. Aproveito agora essa "colher de chá" que ele me deu pra retribuir o seu carinho e prometo voltar mais vezes, com mais vagar, pra conhecer melhor o seu espaço.
    Gostei muito do seu post. Oxalá todos nós pudéssemos pesquisar in loco as nossas origens! Deve ser uma coisa emocionante, como o foi pra você. As imagens falam por si.
    Um beijo!

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  12. Passei por aqui para deixar mais uma beijoca bem gostosa na minha mais nova amiga de infância. Milhões de beijocas e carinhos

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  13. eu gostei muinto de saber um pouco mais sobre meus antepassados tenho sobrenome vernier , gostaria que outras pessoas da minha familia entrasse em contato comigo mande uma mensagem para adriano_vernier@bol.com.br , so pessoas da minha familia vernier

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